Entrada de Israel na OCDE: Artigo de opinião da CNA no Público (17-5-10)

17-05-2010 12:18

 Público Segunda-feira 17 Maio 2010 • 39  

 

A ENTRADA DE ISRAEL NA OCDE: UM SINAL DECEPCIONANTE DE CAPITULAÇÃO FACE À OCUPAÇÃO

 

 

No dia 10 de Maio os 31 países da OCDE, incluindo Portugal, votaram a favor da adesão do Estado de Israel, assim culminando um longo processo de convite e exame dessa adesão. A nosso ver, este caso da adesão de Israel à OCDE merece ser ainda discutido, porque não se tratou e não se trata de um processo normal, devido ao contexto das múltiplas e continuadas infracções do direito internacional relativamente aos territórios ocupados após a guerra de 1967 e ao tratamento da população palestiniana dentro desses territórios e dentro de Israel.

Entendemos que tal aceitação constituiu um grave erro e uma recompensa a um Estado que viola sistematicamente o direito internacional.

Como é óbvio, o nosso protesto não questiona o direito de o Estado de Israel, como outros Estados, de aderir à OCDE, desde que respeite as normas do direito internacional, os direitos humanos universais e os valores da liberdade e respeito mútuo nas relações económicas e políticas internacionais que os princípios fundadores da OCDE explicitamente exprimem. Porém, o documento orientador da adesão de Israel à Convenção da OCDE, aprovada pelo Conselho desta Organização em Novembro de 2007, estabeleceu como condição para a adesão deste país que este demonstrasse o seu compromisso com os “valores fundamentais” partilhados por todos os países membros. Entre esses valores, eram expressamente referidos    “ um empenhamento na democracia pluralista fundada no primado do direito e no respeito dos direitos do homem, o respeito dos princípios abertos e transparentes da economia de mercado e um objectivo comum de desenvolvimento sustentável”. Ora, a política e a prática do Estado de Israel contrariam estes valores e princípios e ofendem as normas da Convenção fundadora da OCDE e as próprias orientações estabelecidas pela OCDE para a adesão.

Na nossa opinião, todos estes “valores fundamentais” são negados por Israel: pela sua reconhecida recusa em cumprir numerosas resoluções da ONU relativamente à autodeterminação palestiniana, pela discriminação relativamente aos cidadãos de Israel de origem palestiniana, pela ocupação militar dos territórios palestinianos (que é fortemente perturbadora da paz, da estabilidade e das relações económicas e políticas na região), pela política agressiva e ofensiva dos direitos humanos das populações destes territórios e destrutiva da sustentabilidade da sua economia, de que são exemplos a recente agressão e o continuado bloqueio ao território de Gaza, a política de checkpoints de controlo e a expansão ilegítima de colonatos nos citados territórios.

Consideramos portanto lamentável que a OCDE e o governo português, em particular, tenham ignorado este contexto na deliberação que tomaram, sobretudo porque os factos relevantes foram amplamente documentados nos elementos de prova contrários à adesão de Israel apresentados à OCDE por numerosas organizações dos direitos humanos durante o processo de exame da sua candidatura à adesão. Mas ainda mais grave é a escandalosa inconsistência da OCDE em relação aos seus próprios princípios e aos critérios que foram acordados para a acessão de Israel.

Lamentamos a este propósito que a decisão tomada tenha contrariado os resultados da análise do seu próprio Comité de Estatística, que referiu no seu parecer de Fevereiro de 2010 que Israel foi incapaz de resolver satisfatoriamente as exigências quanto ao fornecimento de estatísticas económicas que distingam este Estado do território palestiniano e do território da Síria que persiste em ocupar militarmente. Aliás, o relatório interno em causa refere que as estatísticas israelitas neste domínio estão em flagrante contradição com os conceitos básicos do seu sistema de contas nacionais e, mesmo assim, o Comité deu um parecer favorável para Israel! Este "lapso" na deliberação da OCDE é particularmente grave e põe em causa a credibilidade do processo e da decisão, abrindo no caso de Israel uma excepção perigosa que mina a legitimidade do direito em geral.

Os factos conhecidos comprovam que a política do Estado de Israel não está em conformidade com o direito internacional e com os princípios e normas da própria OCDE, e que a decisão relativa à adesão é um sinal decepcionante de capitulação da OCDE e da comunidade internacional face à sua política de ocupação, de colonização e de discriminação.

 

 

Alan Stoleroff*

Domingos Lopes*

Henrique Sousa*

*Membros da Comissão Nacional de Apoio ao Tribunal Russel sobre a Palestina